Historicamente, o mundo civilizado já passou por nefastas crises. Esses momentos de instabilidade (e, porque não, de ruína) ocorreram ao longo do último século, pela deflagração de diversos eventos (1ª Guerra Mundial – 1914/1918, Gripe Espanhola – 1920, Quebra da Bolsa de Valores de Nova York – 1929, 2ª Guerra Mundial – 1939/1945) e, recentemente, neste século, pela propagação da pandemia da COVID-19.
Nessas ocasiões, dada a excepcionalidade dos acontecimentos, quase que a totalidade das relações jurídicas sofreram alterações, especialmente pela inadimplência de dívidas contratadas previamente ao coronavírus.
Nesse artigo, vamos tratar sobre como essa questão tem se comportado em tempos de tanta nebulosidade.
A inadimplência aumentou na pandemia?
Primordialmente, deve-se destacar que o mundo ainda enfrenta a pandemia da COVID-19 e seus efeitos (especialmente econômicos) se alastrarão por muitos anos mesmo quando o vírus for completamente eliminado de nosso convívio.
A pandemia acarretou o fechamento de empresas e aumentou o desemprego a níveis recordes. Porém, a inadimplência, em um primeiro momento, não sofreu aumento, especialmente porque micros e pequenas empresas (além, é claro, de pessoas físicas) receberam auxílios e linhas de crédito emergenciais, bem como houve a diminuição da taxa de juros ao piso histórico.
Esses movimentos provocaram, em um primeiro cenário, o estancamento da inadimplência, pelas possibilidades que surgiram de renegociação de débitos bancários ou mesmo adiamento de pagamentos.
A questão central, contudo, é como essa conta será paga. A injeção de dinheiro promovida para fomentar a economia, manteve o setor empresarial, com ênfase nas micro e pequenas empresas, respirando.
Entretanto, no que concerne às pessoas físicas, enquanto receberem o auxílio emergencial e os débitos renegociados ou dívidas adiadas não baterem à porta, poderá se extrair uma falsa interpretação de que a inadimplência se estabilizou, quando, em verdade, ela está na iminência de implodir e afetar todos os setores da economia.
Dados de Inadimplência de pessoa jurídica
Esse efeito imediato dos recursos disponibilizados às pessoas jurídicas represou a inadimplência, a qual, em relação às empresas, curiosamente diminuiu desde o início da pandemia (março e abril/2020).
Em julho de 2020, o número de empresas com dívidas inadimplidas retrocedeu para o menor nível durante todo o exercício: 5,8 milhões de CNPJs, dado esse que se equivale ao registrado em julho/2019.
Também houve a minoração do número de pedidos de recuperação judicial, mormente até agosto/2020 apenas 868 empresas tomaram esse caminho, número 7,3% menor que o constatado no mesmo período do ano de 2019.
Todavia, em dezembro/2020, os dados acerca das dívidas das empresas já alertavam para novas dificuldades. A alta do dólar ocasionou dívidas empresariais que atingem pico de 60,5% do PIB. Grande parte desse endividamento (cerca de 70%) decorre da variação cambial.
Perceba, as consequências do estancamento dos débitos começaram a aparecer antes mesmo do término de 2020, demonstrando que as empresas que não se prepararam para 2021 sofrerão duras penas para se manter operando.
Não se pode esquecer que a inadimplência que assola as pessoas jurídicas está intimamente atrelada ao comportamento do mercado de consumo.
O socorro prestado em larga escala aos consumidores apenas freou parcialmente a crise e, uma vez enraizada num cenário em que já se esgotaram as possibilidades do Governo Federal aprovisionar auxílios, a consequência imediata é que a inadimplência atinja com grande impacto as empresas de todos os portes e dos mais variados segmentos.
A Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN, através de seu presidente Isaac Sidney, informou que “Com a retração forte da economia que vamos ter de 4% ou 5%, é inevitável que a inadimplência suba de patamar, precisamos lidar com isso, bancos estão precavidos”.
A questão é: os bancos, ao que parece, preveniram-se. Mas, e as empresas? Estão prontas para continuar operando no olho do furacão?
Como reduzir o endividamento na pandemia
Em um contexto de pandemia, regras básicas de cautela do capital, dos investimentos, das reservas da empresa auxiliam na batalha contra o endividamento.
Passo 1
Primeiro, o empreendedor deve discriminar as finanças pessoais e promover cortes pontuais. Aqui, estamos tratando de despesas pessoais direcionadas ao desenvolvimento do objeto social da empresa, como reuniões de negócios, passagens aéreas, realização de cursos intensivos e congêneres.
Essa conduta, além de gerar a óbvia redução de gastos, impinge na mente do empresário a gravidade de uma situação de endividamento da empresa e o mantém atento para possíveis cortes em todas as áreas de seu empreendimento.
É muito comum que as pessoas jurídicas se sobrecarreguem com custos advindos de atividades que, temporariamente, podem ser reduzidas. Nesse momento, um plano de marketing mais amplo pode resolver o impasse e ser menos custoso à empresa.
A revisão de pró-labores, ainda que transitória, também pode significar uma minoração das despesas e evitar que os cofres da empresa sangrem.
Passo 2
Segundo, a realização de um planejamento tributário surge como alternativa fundamental para cortar gastos desnecessários da pessoa jurídica com o fisco em épocas de crise. A bem da verdade, qualquer empresa que almeje prosperar deve implementar um planejamento tributário, independentemente de seu porte e pouco importante se atravessa uma pandemia e/ou crise financeira.
Passo 3
Terceiro, a realização de auditorias internas para apurar o que está prejudicando o caixa da empresa. O controle financeiro, muitas vezes negligenciado pelas empresas (e, aqui, não somente micro e pequenos empreendedores), é de suma importância para que sejam identificadas despesas cujo pagamento está sendo feito a maior, sem mencionar as rubricas que podem ser adiados.
Passo 4
Quarto, o empreendedor deve estar atento para as ofertas que o mercado financeiro apresenta, sempre se acautelando para as medidas que, de fato, podem ajudá-lo e não colocá-lo ainda mais no fundo do poço. Empréstimos bancários para capital de giro, por exemplo, merecem atenção especial antes de serem contratados, dadas as inúmeras ofertas de “receitas infalíveis” propostas pelos agentes bancários.
Passo 5
Quinto, é indispensável a contratação de assessoria jurídico-contábil. Empresa alguma pode desprezar isso! Aliás, a falsa crença popular de que o empreendedor que quer sobreviver “não tem recursos para gastar com advogados e contadores” retrata uma economia porca, ou seja, os valores que não forem gastos com isso em um primeiro momento, na maioria esmagadora das vezes, serão considerados verdadeiras bagatelas perto do endividamento que a falta de assessoramento pode gerar.
Passo 6
Sexto, independentemente do cenário, a empresa deve priorizar a prestação de serviços de excelência. O maior patrimônio de qualquer empreendimento são seus clientes. Com eles, a empresa atravessa os períodos de crise e também com eles retoma seu crescimento.
Setores mais vulneráveis à inadimplência na pandemia
Na pior crise econômica das últimas décadas, dificilmente algum setor sofreu zero impacto durante a pandemia.
Os segmentos mais afetados, até mesmo por uma questão lógica decorrente do isolamento social, foram as empresas de transporte. Um bom exemplo são as companhias aéreas, que amargaram um prejuízo abrupto pelo fechamento das fronteiras e pela proibição dos voos (incluindo, obviamente, as viagens comerciais).
O setor automotivo, pelas mesmas razões, também foi afetado ante a inexorável dependência dos três principais mercados, intensificando os desafios estruturais.
Igualmente, as empresas do nicho dos eletrônicos suportaram impacto, prioritariamente na região Ásia-Pacífico (APAC).
O segmento varejista teve que achar soluções imediatas de E-Commerce e marketing para não definhar, eis que o comércio regular de produtos e serviços, por conta do isolamento social, sofreu violento abalo e surpreendeu empresas que pararam no tempo, desequilibrando suas receitas e custos ou mesmo levando-as à ruína.
De todo o modo, poucos segmentos passarão ilesos pela pandemia. Todos os setores se defrontaram com a necessidade de adaptação e poder de reação, seja o nicho imobiliário, agrícola, de energia, construção civil, indústrias e afins.
Como diminuir o número de clientes inadimplentes durante a pandemia
A fidelização do cliente em tempos de crise, para que ele não abandone a empresa e entenda ser importante prosseguir com o cumprimento de suas obrigações contratuais, não é tarefa das mais fáceis. Contudo, deve-se reprisar que a maior fonte de riqueza do empreendedor é sua clientela e, por isso, os objetivos sociais da empresa devem estar alinhados com os interesses de seu público alvo.
Em linhas gerais, o empreendedor deve estar atento para o comportamento de seus clientes.
A primeira medida que se deve tomar é controlar os atrasos de sua clientela diuturnamente. A empresa que visa prosperidade deve estar sempre de posse de dados atualizados sobre a inadimplência dos seus clientes, visto que se trata de verbas plenamente recuperáveis, já que pressupõem a existência de um contrato.
Com a aferição desses dados, cabe ao empreendedor (ainda mais em meio à uma pandemia) diversificar as formas de adimplemento dos débitos de seus clientes, seja disponibilizando a possibilidade de pagamento digital (passível de parcelamento via cartão de crédito), implementação de sistemas de pontuação e fidelização com vistas a bônus futuros ao cliente que pagar em dia seus débitos.
Aqui, deve-se fazer o registro que apenas facilitar os pagamentos a serem realizados pelo cliente não salvará o empresário da acentuação de inadimplência em momentos de crise. Aliado a esse tipo de medida, o empreendedor deve aplicar uma política de cobrança efetiva (com polidez e prevenindo nova inadimplência, como, por exemplo, avisando o cliente quando vencimento se aproximar), calcada em documentação idônea e promovida por diversos meios (extrajudiciais ou, se necessário, judiciais).
Ainda, a empresa deve estar aberta a negociações e renegociações com sua clientela. Note-se que, ao abrir essa possibilidade, o empreendedor preserva o vínculo que estabeleceu com seu cliente, gerando bons frutos a médio e longo prazo, quando amenizadas as turbulências econômicas.
Por fim, mas com igual relevância, deve o empresário priorizar a automatização de seus processos em todas as medidas que adotar, seja no controle financeiro da inadimplência; seja para implementação da política de cobrança, seja na tratativas de acordos para renegociação.
O que fazer caso sua empresa esteja inadimplente
Por tudo que já conversamos, você já deve ter percebido que, em tempos de pandemia, diversas empresas podem não suportar o impacto econômico e padecerem com a própria inadimplência perante seus credores.
Isso ocorre porque muitos empresários não sabem quais medidas tomar, até mesmo por falta de apoio jurídico-contábil, e outros porque entraram em parafuso na própria decadência e já jogaram a toalha.
Entretanto, mesmo em período como o que vivemos, há sempre meios de reduzir o endividamento empresarial. Aqui, vão algumas medidas muitas vezes negligenciadas pelos empreendedores:
- Verificar a efetiva necessidade de capital de giro e priorize operar com capital de giro próprio e/ou com o suporte de fornecedores;
- Dilatar os prazos de pagamento aos credores (renegociar débitos bancários e solicitar prazo os fornecedores) ;
- Investir na redução da inadimplência de sua própria clientela;
- Implementar ou reajustar o planejamento tributário;
- Aperfeiçoar a utilização de caixa de grupo ou do acionista;
- Estar atento à variação cambial e de indexadores;
- Evitar o pagamento atrasado de tributos (convergindo com a necessidade de realização de planejamento tributário);
- Estar atento às oportunidades que o Governo oferece para refinanciamento de dívidas fiscais (REFIS, por exemplo)
- Ofertar garantias para renovação de financiamentos;
- Verificar se o banco com o qual trabalha é o que melhor presta serviços para a sua realidade;
- Estar atento para as taxas cobradas nas mesmas operações por outros bancos para aumentar o poder de barganha ou mesmo migrar os investimentos para outra instituição financeira;
- Identificar as causas das dívidas para solucioná-las ou, ao menos de imediato, paralisá-las.
- Vender participação acionária para investidores;
- Cumprir os pactos renegociados, sob pena de jamais ser facilitado ou concedido crédito para a empresa;
- Procurar recursos de longo prazo;
- Ter assessoria jurídico-contábil.
São medidas que exigem máximo foco e disposição do empresário, que, apesar de árduas, podem significar a salvação do empreendimento e recolocação da empresa no caminho da prosperidade.
Renegociando as dívidas durante a pandemia
Os impactos econômicos da pandemia do coronavírus atingiram, como já abordamos, praticamente todos os setores. Isso nos permite concluir que a renegociação de dívidas nem sempre é fácil de se realizar, haja vista que todos estão pisando em ovos para evitar ainda mais prejuízos.
Para se ter êxito nisso, primeiramente, deve-se categorizar qual a natureza das dívidas que a pessoa física ou jurídica possui (fiscais, civis, penalizações, bancárias).
Sobre as dívidas fiscais, a melhor saída é tentar novos parcelamentos, observando se, de fato, os juros aplicados pela Fazenda Pública nessa renegociação, além de eventuais multas e penalidades, não são abusivos. Nessa conjuntura se torna ainda mais clara a importância de assessoramento jurídico-contábil.
Também não se pode descartar a possibilidade de pagamento à vista, se houver desconto vantajoso, o que não é muito comum para o pagamento de tributos.
No que concerne às dívidas civis (especialmente se for em relação aos fornecedores da empresa), o recomendável é a dialogar abertamente para viabilizar a dilação de prazo de pagamento, com, por exemplo, promessa de pedido ou contratação futura após a quitação. Lembre-se que o fornecedor também depende do empresário sério e adimplente.
Acerca das dívidas bancárias, uma boa alternativa é travar a renegociação de débitos calcando-se na própria concorrência que hoje os bancos impõem entre si (inclusive suscitando os bancos menores ou digitais, que crescem cada vez mais e também ofertam linhas de crédito e taxas interessantes para renegociação). Ter um uma conversa franca com seu gerente é de suma importância para enfrentar um cenário de crise.
Influência de benefícios na inadimplência durante a pandemia
Os conhecidos auxílios e linhas de crédito emergenciais (aqui, de modo geral, os concedidos às pessoas físicas e às empresas, principalmente micro e pequenos empreendedores), como abordamos acima, apenas represaram a inadimplência.
Nem mesmo é preciso ser economista para saber que essa contenção seria, cedo ou tarde, rompida e fatalmente majoraria os índices de inadimplência, notadamente no mercado de consumo.
O dinheiro gasto (ou a dívida não paga) pelos consumidores, em si, regula grande parte da movimentação do mercado em geral, atingindo direta e indiretamente o setor empresarial.
Logo, os auxílios emergenciais, em um primeiro momento, prestaram-se a evitar o caos sanitário, mas, agora, para se equacionar esse gasto governamental e os empreendedores conseguirem suportar o crescimento exponencial da inadimplência, haverá de ser cumpridas tarefas hercúleas.
Medidas tomadas pelos bancos para diminuir os impactos para os empresários
Após a deflagração da pandemia em março/2020, as instituições financeiras apresentaram medidas para minorar os efeitos da pandemia (ou, ao menos, adiá-los), visando apoiar a economia.
O Banco Central liberou R$ 135 bilhões ao sistema financeiro, através de modificação do regimento de depósitos compulsórios das instituições, além de linha de crédito emergencial para financiar a folha de pagamento das pequenas empresas pelo prazo de 2 (dois) meses.
O BNDS autorizou a transferência de R$ 20 bilhões de recursos advindos do PIS-PASEP para o FGTS, auxiliando especialmente as pessoas físicas, além de R$ 19 bilhões para renegociações de contratos nas operações mantidas diretamente com a instituição e R$ 11 bilhões para as renegociações indiretas. Também liberou 5 bilhões para ampliação da oferta de crédito para as médias, pequenas e microempresas, com carência de 24 meses e prazo total de 60 meses.
A Caixa Econômica Federal destinou R$ 40 bilhões para capital de giro para fomentar o setor imobiliário, além de R$ 5 bilhões para viabilizar crédito agrícola.
Já o Banco do Brasil dispôs R$ 100 bilhões para empréstimos a pessoas físicas, empresas e para o agronegócio, com prorrogação de pagamento de parcelas, antecipação da agenda de cartões e outras medidas.
O Banco do Nordeste, à época, anunciou a disponibilização de até R$ 1,5 bilhão para crédito empresarial.
O Banco da Amazônia suspendeu parcelas de financiamentos de operações de crédito de fomento e flexibilizou as condições de acesso às linhas de capital de giro, cobrando taxas diferenciadas.
O Bradesco e o Itaú promoveram a prorrogação de parcelamentos de dívidas em até 60 dias e reduziram suas taxas de juros para clientes pessoa física e jurídica e, durante o ano, lançaram outras linhas de crédito.
O Santander, por fim, ampliou o limite de 10% do cartão de crédito dos clientes que não se encontravam em inadimplência, além de também ter adotado a prorrogação de até 60 dias para pagamento de débitos.
Perspectivas para o ano de 2021
Apesar de um cenário ainda tão nebuloso, a economia começa a dar sinais de recuperação, até porque seria a decretação de falência do Estado 2021 ser pior que em 2020.
As principais entidades do ramo apontam que o mundo terá uma retomada de crescimento. Em território canarinho, há a projeção de aumento do PIB em 3,5% para este ano. Porém, não se pode perder de vista que, em 2020, houve uma redução de 4,41%.
É claro que a imunização da população pode influenciar ainda mais o crescimento da economia, principalmente porque não haverá mais entraves para não se desenvolver as atividades que se desempenhavam no período pré-coronavírus.
A inflação, a priori, ficará dentro do patamar previsto como meta pelo Banco Central.
A aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, (Lei n. 14.116/2020) também pode apresentar soluções, se utilizada e aplicada corretamente.
Deve-se também ter em mente a possibilidade de concessão de novos auxílios emergenciais (pessoa física ou mesmo jurídica), como o Ministério da Economia tem sinalizado nesse início de 2021, o que pode gerar outras conjunturas sobre a inadimplência.
Todavia, a perspectiva de possível progresso e retomada econômica não pode relaxar o empresário. É justamente o contrário. Nesse momento, cabe ao empreendedor se cercar de cautelas, equacionar dívidas, controlar a inadimplência própria e de seus clientes, melhorar seus processos e procurar apoio jurídico-contábil para que possa se beneficiar de qualquer circunstância que o mercado apresente.
Caso ainda tenha dúvida sobre o tema abordado entre em contato conosco ou deixe seu comentário, será um prazer ajudá-lo.